Entre 7 e 11 de março decorreu, no âmbito do projeto KA1, intitulado “Novas práticas, melhores aprendizagens”, a mobilidade sob a forma de job shadowing ao “Collège Toulouse Lautrec”, em Toulouse, capital da região da Occitânia, no sul de França.
A cidade de Toulouse, conhecida como “La Ville Rose”, pela tonalidade rósea de muitos dos seus edifícios, construídos em tijolo de terracota, é uma cidade cheia de história e interesse arquitetónico. Perto da fronteira com Espanha, é dividida pelo rio Garona, por sua vez ligado ao Mediterrânio pelo canal do Midi, construído no séc. XVII. Não perdemos a oportunidade de passear pela cidade e visitar alguns dos seus monumentos mais característicos, como a basílica de Saint-Germain, o Convento dos Jacobinos ou o jardim japonês Pierre Baudin, e observar a bela Pont-Neuf das margens do Garona.
Impossível não reparar na simpatia generalizada dos habitantes desta cidade calma, mas cheia de vida. A preocupação pela vida energeticamente sustentável e limpa é evidente nos meios de transporte, com a importância dada ao metro e aos transportes públicos em geral, e com a proliferação de meios de locomoção individuais como bicicletas e trotinetes, que por vezes surpreendem quem não está habituado a esta presença, pela sua aproximação rápida e silenciosa. Nas ruas observa-se a tentativa de não deixar morrer a antiga língua occitana, pelas placas das ruas sempre duplicadas, onde o francês é secundado por este idioma que soa a uma miscelânea entre francês, castelhano, catalão, italiano… e é paradigmático da confluência de culturas da região; pode ser ouvido no metro, onde o anúncio das várias estações é feito também nas duas línguas. No primeiro dia de chegada à escola, fomos recebidas de forma bastante hospitaleira por duas docentes e pela vice diretora; conhecemos a estrutura física da escola (espaços interiores e exteriores) e inteiramo-nos do funcionamento do sistema escolar francês, cuja estrutura diverge ligeiramente do sistema português. Iniciamos nesse mesmo dia a observação das aulas e atividades. No contacto com a realidade pedagógica da escola, fomo-nos inteirando das divergências com mais detalhes, entre os quais a distribuição das áreas artísticas no currículo, que surpreendeu pela parca carga horária. Surpreendeu-nos também a existência de turmas exclusivas de necessidades educativas especiais, em monodocência por docente de Educação Especial, com exceção feita para o Inglês e o Desporto.
O trabalho de projeto com interdisciplinaridade é uma prática muito oleada e com resultados surpreendentes aos quais não é alheia a colaboração permanente com a biblioteca e seus bibliotecários. É constante o apelo ao sentido crítico dos alunos, pela insistência na auto e heteroavaliação sistemática dos trabalhos produzidos, oralmente e por escrito. Os prazos para conclusão dos trabalhos são muito precisos e genericamente respeitados. É óbvia a procura de ligações frequentes ao mundo exterior à escola e à comunidade, pelo convite e inclusão de profissionais não docentes que colaboram com os professores no desenvolvimento de diversas atividades. Pudemos observar, neste âmbito, o contributo da escola no projeto de fotografia mundial do artista JR (dar visibilidade aos invisíveis), a colaboração de um jornalista profissional com um projeto interdisciplinar da escola, a presença de um ator nas aulas de improvisação dramática, e a visita e sessão de esclarecimento da companhia de dança que posteriormente contou com várias turmas na apresentação do seu espetáculo num teatro próximo. Nesta sessão, foi explicada a temática do espetáculo e as linhas condutoras no processo de conceção do mesmo, tendo sido visível, mais uma vez, a preocupação em dar voz aos alunos. Tivemos a oportunidade e o privilégio de assistir ao espetáculo.
A cidadania, numa escola tão marcada pela multiculturalidade, está sempre na ordem do dia: laicismo, igualdade de género, alertas anti-bulying, responsabilização individual pela limpeza e pela reciclagem, são só alguns exemplos da forma empenhada como a escola venera a máxima da revolução francesa: “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”. No comportamento generalizado dos alunos, embora não isento de exceções e imperfeições, pode observar-se o efeito desta pedagogia, transparecendo um respeito pelos professores e pela escola enquanto instituição que não é tão notória no nosso país.
A cantina da escola tem um ambiente bastante ordeiro e sem excesso de ruído. Os alunos aguardam no recreio e as turmas são chamadas para almoçar uma a uma, por megafone, não havendo portanto lugar a longas filas. A comida é equilibrada, variada e muito bem confecionada, embora se estranhe a ausência da sopa, a que estamos tão habituados.
Situações assinaláveis e surpreendentes: a ausência de bar ou máquinas de “vending”, tanto para os alunos como para os professores; a ausência de telemóveis.
Ao longo da semana, observamos aulas no âmbito dos respetivos grupos disciplinares, educação musical e artes plásticas, e ainda do ensino especial e de atividades extracurriculares, com o objetivo de identificar práticas pedagógicas inovadoras e distintas da prática portuguesa e da nossa escola em particular. Foi de forma atenta e motivada que nos entregamos a esta tarefa, face à atitude acolhedora com que fomos recebidas por todos os profissionais da escola, docentes e não docentes. No final de cada aula foi possível colocar questões aos colegas franceses para complementar os registos da observação das aulas e melhor compreender as metodologias aplicadas e os processos de ensino aprendizagem em curso. Houve troca de informações, compararam-se sistemas de ensino; toda a informação considerada relevante foi registada enquanto legado para futura disseminação junto dos colegas da escola BS de Canelas.
O universo etário da escola situa-se entre os 11 e os 14 anos de idade, correspondendo, em termos de níveis de escolaridade, aos nossos 6º, 7º, 8º e 9º ano, ciclo de ensino designado por “Collège”. Nas artes plásticas, foram observadas aulas de dois docentes, Num deles, durante duas aulas consecutivas, decorreu a avaliação dos trabalhos de grupo realizados em diferentes materiais e técnicas, antes das férias de 15 dias das quais os alunos acabavam de regressar. O professor encetou diálogo individualmente com cada elemento de cada grupo de trabalho, de forma a perceber qual o contributo de cada um, a técnica aplicada, o processo de execução e a justificação para o elemento gráfico realizado. Teve uma postura de demanda, mas ao mesmo tempo de escuta atenta dos seus alunos. Com a outra docente foram observadas duas aulas distintas, abordando temáticas, técnicas e metodologias diferentes, porque se tratava de dois níveis de escolaridade distintos. Em cada turma/ano percebeu-se um plano de trabalho bem estruturado com recursos quer digitais (de motivação no arranque das atividades), quer em papel (na finalização dos trabalhos). A disponibilidade da docente em relação às visitantes foi total, tendo-lhes mesmo facultado, posteriormente, os recursos utilizados nas aulas em suporte digital.
As aulas de educação musical são complementadas por dois clubes, o coro e a banda, de frequência facultativa. Em todas as atividades musicais se pode observar uma preocupação menor com as questões técnicas da prática vocal e instrumental e com os registos escritos, de forma a libertar inteiramente o tempo das aulas para experiências de performance musical diversificadas, ainda que sem grande rigor técnico, o que permite de alguma forma colmatar a parca carga horária da disciplina. É assinalável a escolha criteriosa dos temas musicais trabalhados, que aliam conteúdos significativos e atenção às preferências musicais dos alunos, sem descurar a qualidade musical do que é mostrado. Em todas as aulas se faz uso de amplificação sonora e microfone. Os alunos convivem de forma genericamente pacífica com a situação de “performance”, não se coibindo de assumir o papel de solistas. Observa-se respeito e apreço pelas “performances” individuais, não se criando situações de risos ou chacota.
Na banda, são os próprios alunos que se instalam e organizam a sala e os instrumentos. Não se utilizam flautas de bisel, e o instrumental é eclético, incluindo “Orff” a par de bateria, teclados, guitarra elétrica, e instrumentos africanos (balafons), sendo possível aos alunos trazerem os próprios instrumentos. O docente convida antigos alunos a colaborar com a banda. Tecnicamente, observa-se a solidez rítmica como principal qualidade deste grupo.
As docentes envolvidas nesta mobilidade fazem um balanço muito positivo da atividade e da interação com a escola Toulouse-Lautrec. Foi uma excelente oportunidade de conhecer a dinâmica e orgânica duma instituição de ensino noutro contexto cultural e social, que, embora apresentando pontos de contacto com a nossa realidade, coloca outros desafios, sobretudo pela sua marcada multiculturalidade, pelo meio socioeconómico desfavorecido e pelos incontornáveis pressupostos estruturais e curriculares que observa o sistema de ensino francês.
Boas práticas pedagógicas, colaboração e disponibilidade são as palavras-chave desta enriquecedora experiência.
As docentes,
Rosário Sá e Paula Campos