(Os textos que se seguem não puderam ser publicados no Jornal “O Gaiense”, por falta de espaço, pelo que serão divulgados aqui no blogue.)
“A FAVOR”
A eutanásia é o ato intencional de proporcionar a alguém uma morte indolor para aliviar o sofrimento causado por uma doença incurável ou dolorosa. A sua despenalização não obriga ninguém a morrer, apenas dá uma escolha a quem mais precisa. Desta forma, respeita a liberdade de escolha de cada um e viabiliza o direito a uma morte digna.
Não cabe a nenhum de nós eliminar essa escolha quando nunca estivemos na pele de alguém portador de uma doença incurável e terminal que põe em causa a dignidade da pessoa. Por exemplo, toda a gente sabe que fumar mata, mas ninguém tira do mercado o tabaco, apenas fica a critério de cada um fumar ou não.
Os opositores à mesma defendem com todas as forças que uma boa rede de cuidados paliativos é uma boa alternativa à eutanásia. Contudo, tal não corresponde à verdade. Há pessoas que estão em sofrimento extremo, com uma doença incurável e fatal sem que para elas os cuidados paliativos sejam solução. Não estamos a falar de um sofrimento causado por um fim de um relacionamento, mas sim de um sofrimento físico e psicológico interminável. Mais, em países com os melhores cuidados paliativos, como a Bélgica (5º lugar) e a Holanda (8º lugar), a eutanásia é despenalizada. Muitos dos doentes, nos países referidos, que recorrem à eutanásia provêm dos cuidados paliativos.
O respeito pela autonomia do paciente é importante. Quando o doente é capaz de decidir por si e fazer escolhas e decide recorrer à eutanásia, ninguém tem o direito de a negar. Não é a família nem o médico que vão escolher o caminho do doente: o mesmo deve escolher.
“Ajudar a morrer serena e tranquilamente, acabando com o sofrimento inútil, é uma atitude de elevado valor moral e de grande humanismo”, afirmava João Semedo, médico e político português, vítima de doença prolongada, que defendeu desde sempre e até à sua morte a despenalização da eutanásia.
Será um ato egoísta querer pôr fim ao sofrimento? Não será também egoísta, por parte da família, obrigar o familiar a sofrer mais a cada dia que passa para a mesma não sofrer com a morte desse familiar que por sua vez é inevitável? Será digno obrigar alguém, nos seus últimos momentos de vida, a viajar para o estrangeiro para morrer em paz? Não seria mais digno morrer no país onde nasceu, junto dos seus familiares? E se fosse consigo? Não gostava de morrer em paz, dignamente, junto dos seus familiares queridos?
Ana Teixeira, 11.º A
“CONTRA”
A 20 de fevereiro, a despenalização da eutanásia foi aprovada na Assembleia da República Portuguesa, sendo aprovada pela maioria dos deputados do país.
Como estudante de filosofia, propus-me refletir sobre este tema através do ponto de vista do filósofo Immanuel Kant e do seu imperativo categórico.
A filosofia moral kantiana diz que o valor moral de uma ação reside na intenção que lhe preside, mais precisamente na intenção pura, ou seja o único motivo que pode dar origem a uma ação moralmente válida é o sentimento puro de respeito pelo dever, sendo assim só é considerado uma ação boa se a intenção desta seguir o dever, a lei da razão.
Para nos ajudar a avaliar as nossas ações, Kant apresenta o imperativo categórico, um mandamento absoluto e formal que indica universal e incondicionalmente a forma como devemos agir. Há duas formulações do imperativo categórico. A primeira formulação diz: “Age unicamente de acordo com a máxima que te faça simultaneamente desejar a sua transformação em lei universal”, ou seja, devemos seguir regras concreta da ação que pudessem ser subscritas por toda a humanidade, como se fossem leis universais da natureza. A segunda diz: “Age de tal forma que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na de qualquer outro, sempre simultaneamente como um fim e nunca simplesmente como um meio”. Isto significa que devemos tratar sempre toda a pessoa como sendo um fim em si mesmo, como tendo dignidade, e não como se fosse uma coisa, um instrumento. No entanto, importa realçar que, para Kant, o tratamento ético da humanidade engloba não apenas as outras pessoas mas, desde logo, a própria pessoa, eu mesma: “na tua pessoa”.
Quando procura ilustrar estas duas formulações do imperativo categórico, Kant dá o exemplo de alguém querer matar-se. Para exemplificar a primeira formulação, Kant argumenta que se alguém, por tédio ou por desespero, decidisse suicidar-se teria de se perguntar se poderia ser universalizável o ato de destruir a própria vida. E a conclusão é óbvia: não. Para a segunda formulação, Kant volta ao exemplo de alguém querer suicidar-se e à necessidade de se perguntar se, para escapar a uma situação dolorosa, acabar com a vida é tratar a humanidade na minha pessoa como um fim ou como um meio. A conclusão também é óbvia: querer acabar com a própria vida é usar a humanidade, na própria pessoa, como um meio e não como um fim, com dignidade.
Assim, segundo Kant, é um dever manter a vida, o contrário viola a dignidade da pessoa humana. A vida é um valor em si próprio e, como tal, merece ser respeitada e conservada até ao seu fim natural. Se a eutanásia é uma forma de suicídio, então atenta contra a dignidade da pessoa humana.
Creio que Kant tem razão.
Sara Vieira, 11.º A